A FLEC/FAC, Frente de Libertação do Estado de Cabinda, em comunicado hoje divulgado e assinado pelo seu secretário-geral, Jacinto António Télica, diz ter decido retomar as relações diplomáticas com o Governo português e exortou Portugal a reconhecer aquele território como um Estado.
A decisão de “retomar oficialmente as suas relações diplomáticas” com Portugal foi anunciada pela direcção político-militar da FLEC/FAC, num comunicado em que se afirma “disposta a fazer todo o possível para fazer da cooperação com o Governo português uma parceria estratégica”.
No comunicado hoje divulgado, a FLEC lembra que Cabinda e Portugal “têm muitos interesses em comum” e exorta o Governo socialista de António Costa (“irmão” do MPLA na Internacional Socialista) a “exercer pressão sobre o Estado angolano para que ponha termo à sua ocupação” naquele território e a “reconhecer o direito do povo de Cabinda à autodeterminação e à independência”.
O reconhecimento de Cabinda como um Estado, por parte do Governo português, “enviará um sinal importante e claro à comunidade internacional”, considera a FLEC.
O fim das “relações e contactos” com a Presidência e o Governo português foram anunciados a 8 de Fevereiro, num comunicado em que a Frente de Libertação do Estado de Cabinda acusou os vários governos e presidentes da República de “intencionalmente sempre ignoraram o martirizado povo de Cabinda e os sucessivos apelos desta organização e da sociedade civil cabindesa”.
Na data, a FLEC lamentou ainda que Portugal nunca tenha condenado Angola “pelas ininterruptas violações dos direitos humanos em Cabinda” e tenha apoiado “os três líderes da República de Angola desde 1975”.
Criada em 1963, a organização independentista dividiu-se e multiplicou-se em diferentes facções, efémeras, com a FLEC/FAC a manter-se como o único movimento que alega manter uma “resistência armada” contra a administração de Luanda.
Mais de metade do petróleo angolano, maior fonte de receitas do país, provém de Cabinda.
Cabinda segundo Adriano Moreira
A este propósito, reproduzimos um artigo de Adriano Moreira publicado no jornal português Diário de Notícias em 30 de Novembro de 2004:
«Nesta questão da globalização, em que circulam expressões como Estado-continente para designar os de maior extensão territorial e Estado-baleia para referir os das populações desmedidas, acrescendo o fenómeno dos grandes espaços que agregam várias soberanias cooperativas, as atenções desviam-se facilmente das pequenas identidades políticas, cuja autonomia de Governo não foi consagrada pela História, e olham com displicência para as que lhes parecem uma arqueologia de resíduos.
Casos como os do Mónaco, São Marino, Andorra, parecem amparados por um sobrevivente respeito dos ocidentais pela História, mas a dissolução da Jugoslávia, a desagregação da URSS, a complexidade do Médio Oriente, destinos como o do Tibete, encontram difícil amparo em escalas de valores participadas.
Nesta data, Cabinda é um território cuja situação tem de ser avaliada tendo em vista este conjunto de variáveis: um pequeno território com uma população de dimensão correspondente; multiplicação de soberanias interessadas no seu estatuto efectivo, num quadro internacional incerto, com todas as sedes de legitimidade em crise, bastando lembrar os efeitos que a segunda guerra do Iraque teve na consistência das solidariedades no Conselho de Segurança, na NATO, e na própria União Europeia.
Em primeiro lugar, acontece que o respeito pela identidade e vontade de ocupar um lugar igual na comunidade internacional não depende nem da dimensão territorial nem da expressão numérica da população: é um direito dos povos, que não foi limitado pela regra indicativa da ONU, no sentido de as fronteiras da independência serem as que tinham sido traçadas pela soberania colonizadora.
No caso de Cabinda, o ordenamento constitucional português, que durou até 1976, nunca impediu a afirmação reiterada da identidade específica de Cabinda, nem a especificidade do título que uniu Cabinda à coroa de Portugal, o anualmente e solenemente festejado Tratado de Simulambuco, em relação também, com expressão única, com o facto de os bustos dos reis portugueses em exercício por vezes assinalarem as sepulturas dos líderes políticos locais que faleciam.
A decisão de cada povo, com sentimento de identidade, convergir para espaços políticos mais vastos, optando por limitações de soberania, por grupos de soberanias cooperativas ou por autonomias regionalizadas, faz parte da liberdade com que organiza a preservação da sua identidade, não pode ser uma imposição exógena, que contrarie os princípios e valores a que a Carta da ONU vinculou a defesa da paz e da dignidade dos povos e dos homens.
É finalmente certo que o petróleo, como as antigas especiarias, tende para fazer esquecer as limitações que estavam implícitas na resposta do anónimo marinheiro de Vasco da Gama, e que Cabinda enfrenta o risco de ser absorvida pela percepção actual da África útil.
A resposta firme tem de adoptar a recente advertência do PNUD (2004): «São necessárias políticas multiculturais que reconheçam diferenças, defendam a diversidade e promovam liberdades culturais, para que todas as pessoas possam optar por falar a sua língua, praticar a sua religião e participar na formação da sua cultura, para que todas as pessoas possam optar por ser quem são.»
Os cabindas não exigem mais, e não se lhes pode pedir que exijam menos: «Optar por ser quem são.»